sexta-feira, dezembro 16, 2005

Storytelling - A Formiguinha Viajante

Porra, como eu Salto! Este Comboio não pára quieto. Acelere ou não, eu lá vou quase pelo ar, não fosse o equilíbrio que domino com minhas seis patas. Que viagem de constante inconstância, que nojo! Terminará algum dia?
Mas enfim, onde poderia eu estar melhor, do que no Apoio de braço deste Banco? Nem vai ninguém sentado aqui... se fosse, decerto eu seria esmagada (sorriria?...).
Ainda assim, que desimportante o solo de Pele, onde me sento. A cor acastanhada lembra-me o sujo, e a pele lembra-me Alguém que outrora a vestiu. Será sempre assim a viagem? Sempre sobre os Outros, só para que nos sintamos confortáveis? Pois eu não me sinto, fiquem a sabê-lo! Pudesse eu sentar-me ali em cima, junto da Luz, onde está quentinho...Oh, Oh... Isso sim, seria bom. Mas uma formiguinha como eu jamais Saltaria altura tal. Bem que podia tentar... Mas e se caísse? Cairia eu redonda naquelas bolinhas redondas e pretas que estão ali em baixo... E que não me parecem nada convidativas! Ainda por cima, anda sempre Gente a passar de um lado para o outro! Nah... Estou bem aqui, nesta Pele confortável de outro Animal qualquer.
Logo abaixo deste Apoio para o braço, vejo o apoio deste apoio... Às vezes ponho-me a pensar como é hipócrita o apoio, que se diz apoio, quando ele próprio precisa de se apoiar... E o Ferro não conta também? Não é ele alguém? Bom, se for a ver assim, realmente... Apenas o Chão se pode dizer apoio de algo, pois tudo nele se constroi. Bela Luz... Essa, sim! Tu que brilhas aí no alto... bela e quente, mas só por ti não és ninguém. Se estivesses no lugar do Chão, e ele aí no Tecto, serias tu espezinhada, esmagada, estilhaçada, esfriada e apagada! E ele, no Tecto, negro e sujo, brilharia em sua glória.
Não é verdade isto, oh Luz? Não é verdade, oh Chão? Não... Não é verdade. Se o Chão estivesse no Tecto, só por si não seria ninguém, pois não se segura lá sozinho... qualquer Um que cedesse, e ele cairia, num instantinho...
Sim, sinto-me bem, aqui neste Apoio de braços dum Banco qualquer deste qualquer Comboio. Sim... Mas... Porquê este Banco? Gostava de experimentar Aquele... Era só um Salto, e chegaria lá! Ou... talvez não... Com vários Saltos, chegarei até Áquele, ali! Ao fundo... Será mais especial do que Este? Parece-me igual... Mas eu o veria especial... Porque pudesse eu Saltar para Este aqui à minha frente, e acreditaria em Mim... Acreditaria que conseguia Saltar... E ia desejar chegar Áquele Banco distante, aquele apoio vulgar, tão igual, tão pouco importante... E Saltaria e Saltaria... até chegar Lá. Mas porque não fico Aqui? - “Fica, ou vais-te magoar, oh Eu!” - Não me ouço com o ruído todo do Comboio, com o Vento que lá fora é cortado por esta Máquina a correr, e grita, e berra dilacerado a morrer. Não me ouço e então, vou Saltar... Sim, eu consigo! Está já Ali.
Afasto-me da berma, do precipício deste negro às bolinhas. Receio cair, sim, e isso aperta-me o ténue e frágil Coração... Mas dá-me mais Força para Conseguir. Aqui vou, respiro fundo, e corro! Salto... Vejo lá em baixo o Chão a passar. Vejo as bolinhas tão redondas... Como que a Voar... Sim, pois neste momento não sei se sou eu que estou a Voar, ou se é o Mundo todo que abraçado, Voa por mim...
Mas o que sei, é que aquele Apoio do braço aproxima-se.... Já quase lhe consigo tocar! Tudo parece agora, correr... tão devagar... E lentamente, meus olhos abraçam a pele de outro Ser, ou até a mesma Do de há pouco... E as minhas patas pousam sincronizadas entre as seis. Sorrio, pois Saltei, Voei, e Aterrei. Mas o sorriso corta-se-me da cara...
Este Lado parece tão igual ao Outro! Juraria eu que era o mesmo, se não me lembrasse da Emoção que foi, Saltar... Olho pelo Corredor... até ao fundo da Carruagem: de um Lado e de Outro, uma fila de Apoios confrontam-se, imóveis, sentados nos Ferros dos seus Bancos. Parecem tão iguais... Mas soam tão diferentes Deste onde estou.
Então... porque me apetece ir para Lá? Vou-me deixar estar... ficar Aqui, não me Arriscar. Afinal, estou Aqui bem, nesta almofada de Pele confortável, descançado da Vida, apreciando os Saltos e Tombos que o Comboio me dá... Acho que não me poderia sentir melhor, a não ser que... Huh? Mas... Não... Aqui não! Devo Fugir? Mas para Onde? Não há para onde Fugir... Tudo está lento de novo... Já nem vejo a gloriosa Luz, tão brilhantemente branca no Tecto... eclipsada agora por este Braço de Alguém... Alguém que aqui se Senta, e se prepara para Inocentemente me Esmagar, Inocente.
Mas afinal que Mundo Cruel é este? Choro... Pudesse eu Voar! Tivesse eu Arriscado... Tivesse eu Saltado.

1 Comments:

At 6:32 da manhã, Anonymous Anónimo said...

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